As três fases do Chamado
As três fases do Chamado

Falar sobre o Chamado de Deus é um desafio para esses dias onde a subjetividade e a emoção estão em alta, onde sentir sensações são sinais de experiências com o Senhor.

Hoje estão na moda muitos ministérios autônomos. Pessoas que saem do seu meio para montar um ministério independente, especial/específico. Existem verdadeiros ministérios centrados exclusivamente na pessoa/indivíduo: andarilhos, sem vínculos, a partir de si mesmos. Percebe-se até certa concorrência de ministérios.

Não estou aqui para nomear e julgar estes ministérios e as intenções de seus organizadores, mas entendo que como cristão eu sempre sou Chamado a prestar contas do que tenho feito no Corpo de Cristo. Também entendo que arrogância, ditaduras e imposições não são marcas do Chamado.

O Chamado deve refletir comportamento ético com os valores do dono do Chamado. Não entendo tantos “ministérios avivados”, “movimentos arrebatadores” que não são acompanhados pelos valores do Reino, ministérios que não produzem impactos éticos nos valores da nossa sociedade.

E é justamente nesses dias de tantos “chamados” e “ministérios pessoais, especiais e autônomos” que se torna interessante examinarmos alguns aspectos e indicativos da Bíblia em relação ao Chamado de Deus.

Primeiramente, é bom lembrar que Chamado implica em alguém que chama; alguém que emite o “chamar”. O Chamado traz as características de quem chama. Um filho reconhece quando sua mãe lhe chama, e pelo tom da voz pode até saber o estado emocional dela. Semelhantemente, o Chamado de Deus traz o seu caráter. Ele é o dono do Chamado.

E do que fala o Chamado? Em que consiste o Chamado? Por certo vai falar de coisas relacionadas mais a Ele do que a nós. E por ser Dele o Chamado, sempre será “acima” e “fora” de nós mesmos. Parece-me que é comum no Chamado o modificar da visão da vida; começamos a ver a vida com outros olhos e essa modificação, geralmente, nos tira da zona de conforto.

Para esse nosso exercício gostaria de destacar três textos bíblicos e, assim, identificar três fases inerentes ao Chamado.

Para responder ao Chamado é preciso…

1 - Preciso desocupar as minhas mãos – Mt 4:19,20
Jesus está aqui no início de seu ministério terreno e chama os seus primeiros seguidores. O texto nos diz que eles “deixaram as suas redes e o seguiram”. Eles eram pescadores e esse ato nos traz um significado muito profundo: esvaziar as mãos daquilo que dá significado à vida. Abrir mão daquilo que dá segurança. Abandonar as experiências e o “status”.
Ou seja, há um custo muito alto envolvido no Chamado.

Qual a primeira lição que podemos tirar desse relato acerca do Chamado? O Chamado vai exigir que eu desocupe a minha mão daquilo que me dá segurança e significado.

Não estou falando em abandono de emprego, projetos ou estudos. Pode ser que para alguns até implique isto. Mas proponho pensarmos em algo muito mais profundo: é uma reflexão sobre o significado dessas coisas. Meu trabalho, projetos ou estudos nunca podem ser um fim em si mesmos, mas um meio que reflita minha relação com o Deus da eternidade. Assim, respondendo ao Chamado, a minha visão dicotômica de sagrado/profano cai. Os referenciais e os significados são modificados. É interessante o que diz Paul Stevens no seu livro Os Outros Seis Dias:

Todos são chamados para a totalidade da vida diária…O chamado de Deus para o crente (Ef. 4:1) abrange todos os aspectos da vida: trabalho, família, vizinhança, política, congregação, sábado”..

Nada em nossa vida fica fora do Chamado. Para responder ao Chamado de Deus preciso desocupar as minhas mãos de mim mesmo, liberar-me das minhas coisas importantes.

2 - Preciso ocupar as minhas mãos – Lc 9:23
Se preciso desocupar as minhas mãos para responder ao Chamado de Cristo, também preciso ocupá-las para prosseguir no mesmo processo de caminhada.

Neste texto Jesus apresenta o desafio bastante conhecido do Chamado: negar-se a si mesmo e tomar a cruz. O “negue-se a si mesmo” está diretamente ligado ao “deixaram as suas redes”.

Seguir a Cristo significa primeiramente o despojamento dos velhos caminhos (velho homem com seus significados) e, então, o “tomar a cruz”. É que eu não posso tomar a minha cruz se minhas mãos ainda estiverem arrastando as minhas redes.

Quando o Império Romano crucificava um criminoso, a vítima frequentemente era forçada a carregar sua cruz durante o caminho até o lugar da sua crucificação. Este quadro era conhecido dos discípulos da Galiléia quando ouviram Jesus pronunciar o desafio aos seus seguidores.

Seguir a Cristo é para quem está disposto ir até às últimas conseqüências. Responder ao Chamado implica negar-se a si mesmo diariamente indo até onde seja requerido.

3 – Preciso compartilhar as minhas mãos – Ef. 4:1-7
Vejo aqui os desdobramentos da caminhada cristã: servir no Corpo de Cristo. O seguir a Cristo sempre repercute no Corpo de Cristo – a Igreja. Sou chamado para compartilhar as minhas mãos; ajudar e servir a Deus e ao próximo. Os dons que recebo não são meus, são do outro.

O texto aqui trata da Unidade do Corpo de Cristo e Paulo inicia dizendo que devemos viver de “maneira digna da vocação” que recebemos. E esta vocação passa pelo “abandono de algumas redes” e pelo “tomar a cruz”: sejam completamente humildes, dóceis e pacientes; façam todo o esforço para conservar a unidade do Espírito.

“Ser humildes, dóceis e pacientes” – o exercício começa em mim, a partir de mim;
“Suportando com amor” – se estende ao outro sempre;
“Unidade do Espírito”- se completa no Corpo.

O meu chamado nunca é pra mim mesmo; eu não me sirvo com o meu chamado. Sou chamado para servir. O meu esforço não é simplesmente realizar a “minha missão” por e para mim num exercício espiritual não compartilhado. O meu chamado sempre se materializa no serviço – a Deus e ao próximo.

O Chamado só é para edificação do Corpo de Cristo – orgânico (e por conseqüência, o institucional). Por isso a visão sempre será maior do que os recursos – humanos e financeiros.

Algumas Lições que podemos tirar sobre o Chamado:

1 – Todo crente tem vocação que exige uma postura de comportamento. O Chamado é maior do que a minha disposição pessoal, pois é confronto e não conforto;

2 – Meu Chamado nunca é para mim mesmo. Eu não me sirvo com o meu chamado. Sou chamado para servir ao outro. Eu sou responsável pelo crescimento do outro. O desafio é individual, mas a realização, corporativa. Não sou chamado para uma vida contemplativa.

3 – A minha vocação é especial porque me foi dada pelo Senhor dos Senhores. Eu não sou especial. Por isso, não posso me orgulhar. Não devo elevar o seguidor acima do seu chamado. Não posso perder esta consciência: O Chamado é grande, eu sou pequeno; o Chamado é forte, eu sou fraco; o Chamado é visão, eu sou cego; o Chamado é poderoso, eu sou miserável.

4 – O Chamado é um desafio à mudança de foco – voltar-se para fora: para Deus e para o próximo. O outro sempre será o foco do Chamado, pois Deus não chama ninguém para viver pra si mesmo; Jesus não chama ninguém para fugir do inferno simplesmente. Jesus nos chama para fazermos parte do Seu Corpo.

5 – O ministério não é meu; eu sou apenas instrumento para servir. Deus não se adapta ao meu ministério, é o meu ministério que se molda ao mandato do Senhor. Sou eu quem segue a Jesus e não Jesus que deve me seguir.

6 - Minha vida cristã deve demonstrar um crescimento espiritual e moral.

Cristo diz: “Dê-me tudo. Não quero tanto do seu tempo, tanto do seu dinheiro e tanto do seu trabalho; é a você que eu quero. Não vim atormentar o seu “eu” natural, eu vim matá-lo. As meias medidas não adiantam. Não quero cortar um ramo aqui e outro acolá, quero abater a árvore toda. Não quero tratar do dente, nem pôr uma coroa, nem fazer uma abturação; quero extraí-lo. Ceda o seu eu natural por completo, com todos os desejos que você julga serem inocentes, e também os que julga serem maus; não deixe nada sem me ceder. Dar-lhe-ei em troca um outro eu. Na verdade, dar-lhe-ei a mim mesmo; a minha própria vontade tornar-se-á a sua”.

Reflexão:
Será que existem redes para serem abandonadas?
Essa insistência de querermos estar no controle?

“No mesmo instante eles deixaram as suas redes e o seguiram”.